O Termo Territorial Coletivo (TTC) Aplicado às Favelas Poderia Resolver a Crise Mundial de Moradia?

Uma inovação no uso da terra que tem tido sucesso nos EUA e em outros lugares pode ajudar a proteger comunidades assentadas informalmente de remoção e gentrificação, e dar a elas controle sobre o desenvolvimento.

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Este artigo, escrito por Theresa Williamson, diretora executiva da Comunidades Catalisadoras, foi originalmente publicado em inglês pelo Lincoln Institute of Land Policy (Instituto Lincoln de Política de Terras) na sua Revista Land Lines. Leia o artigo original em inglês no site do Lincoln Institute aqui e na Land Lines aqui.

Este artigo foi publicado no RioOnWatch em preparação para a vinda, entre 23 e 27 de agosto, da delegação de Porto Rico que conseguiu realizar o TTC em oito favelas de San Juan, com ótimos resultados. Caso tenha interesse em participar das oficinas e conhecer o modelo de perto, faça sua inscrição na data apropriada aqui. As oficinas serão realizadas pela ComCat em parceria com o TTC do Caño Martín Peña, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Pastoral de Favelas, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio, e o Laboratório de Estudos das Transformações do Direito Urbanístico Brasileiro.

Leia abaixo ou baixe aqui o PDF.

Direito à Terra no Brasil: Reconhecimento e Ameaças ao Papel das Favelas na Cidade

Na América Latina, as leis que concedem títulos formais e legais de propriedade a moradores de favelas normalmente têm como objetivo declarado garantir a posse da terra e viabilizar o acesso aos serviços e infraestrutura oficiais do município, e acesso ao crédito. As políticas públicas que atendem tais leis variam desde a simples emissão do título até o reforço da transferência de propriedade com melhorias de infraestrutura, serviços sociais e oportunidades de emprego. Os custos e resultados desses esforços variam por região, com pouco consenso sobre sua eficácia. Uma recente lei de titulação no Brasil gerou preocupação entre militantes pelo direito à moradia de que em vez de oferecer estabilidade, transferir a propriedade da terra pode produzir o efeito oposto, e acabar expulsando as pessoas das comunidades das quais fazem parte há gerações.

Com a assinatura da lei 13.465 em julho de 2017, o presidente interino, Michel Temer, criou o potencial para uma enxurrada de especulação imobiliária e gentrificação nas favelas do Rio de Janeiro. A legislação controversa incentiva a regularização total das terras federais ocupadas por posseiros históricos. Esta nova medida de regularização concederá aos ocupantes de favelas títulos de propriedade integrais, não apenas concessões de uso em terras públicas disponibilizadas a alguns de seus antepassados. No Brasil, mais de 50% do território nacional padece de alguma irregularidade, o que é um ponto de apoio no argumento que justifica a lei. Boa parte são terras consideradas ‘ingovernáveis’ na Região Amazônica, mas favelas em terras federais nas cidades também fazem parte da estatística. A lei rompe a previsão da Constituição brasileira de que a terra deve cumprir uma função social, ou seja, habitação, e a lei 11.977 de 2009, que adotava um modelo de titulação preferencialmente a partir de concessões em terra pública, mantendo-as sob propriedade do governo. Em vez disso, de acordo com a nova lei, as terras federaisseja na Amazônia ou nas favelas do Rio de Janeirodevem ser regularizadas, transferindo a propriedade para seus ocupantes, que podem utilizá-las como acharem melhor. E o estabelecimento dessa legislação federal tem o efeito automático de incentivar estados e municípios a seguirem o exemplo.


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A Vila Autódromo, apesar de seus títulos de concessão de uso, foi demolida nas remoções pré-Olímpicas.

A titulação abrangente da terra nas favelas deve, portanto, acelerar nos próximos anos. O que isso significará para o estoque habitacional acessível da cidade? O que acontecerá com as favelas do Rio, especialmente as que estiverem situadas em terra com alto potencial especulativo? Esta lei as tornará mais ou menos seguras em relação à manutenção de seus moradores?

Com a possibilidade iminente de um processo de titulação em massa de favelas em todo o Brasil, essa titulação acompanhada de um modelo de Termo Territorial Coletivo (TTC)baseado no conceito de ‘Community Land Trust’ praticado em outros paísespoderia fornecer uma solução melhor. O modelo de propriedade coletiva da terra inerente ao modelo TTC está mais de acordo com a disposição da Constituição de que a terra tem uma função social. E a implementação de tal modelo poderia oferecer um farol de esperança para ativistas que trabalham para regularizar assentamentos urbanos informais visando à garantia da manutenção de seus moradores em um mundo urbano cada vez mais caroum modelo para fornecer acesso seguro à terra e preservar a acessibilidade à moradia em perpetuidade. Os TTCs tradicionais são estabelecidos como organizações sem fins lucrativos, que possuem e mantêm a terra. Os moradores possuem suas respectivas construções e, na prática, são co-proprietários do terreno associado, pois orientam e governam a organização sem fins lucrativos proprietária de terras, como membros do TTC. Como a terra é normalmente o custo primário no valor da habitação urbana, fazer com que o TTC absorva isso, às vezes com o apoio do governo, permite que os preços das casas permaneçam acessíveis economicamente.

E no contexto de favelas, o TTC representa uma nova abordagem que reconhece e até mesmo acolhe e constrói a partir da complexidade e do dinamismo inerentes a esses bairros, sem comprometer suas características existentes.

Favela

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Providência, a primeira favela, no início dos anos 1900. Crédito: Augusto Malta, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro

primeiro assentamento informal conhecido como “favela”, hoje conhecido como Morro da Providência, foi estabelecido no Rio por ex-soldados de Canudos em 1897. Eles chamaram o assentamento de “Morro da Favela”, por conta de uma planta espinhosa resistente que crescia nos morros onde lutaram no nordeste árido do Brasil. Embora a palavra “favela” seja vista como uma tradução de “slum” ou “shantytown” em inglês, não há base etimológica para isso. Nos últimos anos, um crescente grupo de jovens mobilizadores e líderes nas favelas do Rio passou a usar o termo “favelado” como motivo de orgulho, enfocando a natureza das favelas como resistência e resiliência, e fortalecendo uma identidade compartilhada em torno destes atributos principais de favelas.


Moradia é Uma Necessidade Básica

Os conflitos em torno da gentrificação e do desenvolvimento em todo o mundo são consequência direta de políticas que tratam habitação como propriedade e como investimento, em vez de reconhecer a moradia como uma necessidade humana fundamental.

As cidades que estão crescendo mais rapidamente no mundo estão nos países em desenvolvimento, principalmente na África e na Ásia. E devido a esse crescimento rápido e não planejado, entre um quarto e um terço das pessoas hoje vivem em favelas nas cidades, infelizmente e de forma contraproducente, ainda referidos como “slums” ou “shanties” por repórteres e organizações internacionais.

Está projetado que até 2050 quase um terço de toda a humanidade irá viver em assentamentos informais, já que o crescimento populacional é maior na urbanização de países em desenvolvimento, onde os governos não podem atender às necessidades de novos migrantes urbanos. Indiscutivelmente, a maior questão urbana mundial do nosso tempo é o que fazer com nossas favelas.

Segundo o pesquisador Justin McGuirk, “oitenta e cinco por cento de toda habitação em todo o mundo é construída ‘ilegalmente’,… fazendo com que os moradores de favelas sejam os principais desenvolvedores do espaço urbano em todo o mundo, pois ditam o projeto e uso de mais quilômetros quadrados do que arquitetos e governos”. E, no entanto, em termos gerais, as sociedades prestam pouca atenção a elas, até que as favelas sejam vistas como empecilhos por “estar no caminho” do desenvolvimento imobiliário.

O status quo é desmantelar essas comunidades ou remover os moradores, na melhor das hipóteses empurrando-os para uma habitação pública desumana. Essas abordagens são insustentáveis e socialmente injustas. Elas não funcionaram porque não abordam as razões subjacentes da existência de tais assentamentos e também porque, muitas vezes, deixam os moradores em situação pior.

Esta lógica dominante na atualidade não resolve a questão básica de moradia, porque pelo menos vinte por cento da população de uma cidade típica não consegue pagar os custos de uma moradia produzida pelo mercado imobiliário privado e, portanto, é obrigada a acessá-la fora deste mercado.1  Esta “regra de vinte por cento” significa que o setor privado simplesmente não irá atender a essa necessidade. Como resultado, o governo ou algum setor da sociedade civil acaba tendo a obrigação de atender à necessidade básica de moradia.2

Portanto, não é uma surpresa, nem é uma coincidência, que o Rio de Janeirouma cidade que desde a sua urbanização no final do século XIX nunca abordou seriamente a necessidade de habitaçãohoje abriga 24% de sua população em favelas.


Repensando as Favelas do Rio

As favelas do Rio possuem uma rica história de mais de 120 anos e podem ser alguns dos assentamentos informais mais consolidados do mundo atualmente, já que durante grande parte dessa história eles foram deixados à própria sorte. As favelas consolidadas são aquelas que devido ao investimento da comunidade ao longo do tempo, conseguem que os moradores geralmente vejam mais valor em permanecer e fazer melhorias, em vez da reconstrução completa de seus bairros ou da busca por formas alternativas de moradia.3

Gerações de políticos pós-abolição 4 têm tido a intenção de manter o status quo da desigualdade severa, mantendo uma classe de serventes acessíveis sem ver a necessidade de servir essas mesmas pessoas: as favelas são a representação territorial disso. Ao manter as favelas sem serviços públicos de qualidade, incluindo oportunidades educacionais suficientes, e através da criminalizando a pobreza, o status dessas comunidades é mantido suficientemente ambíguo e tênue, de modo a mantê-las submissas às lideranças extremas, da tirania ao populismo. Consequentemente, esta história também foi pontuada por períodos de remoção e arbitrariedades, por um lado, e períodos ocasionais de melhorias de infraestrutura e serviços básicos, por outro. Infelizmente os períodos de investimento não têm sido duradouros nem tampouco de qualidade.


Condições

Mas principalmente, as favelas foram negligenciadas e deixadas para se desenvolver por conta própria. O resultado é que hoje o Rio de Janeiro tem aproximadamente 1.000 favelas, variando em tamanho de dezenas a 200.000 pessoas. A maioria dos moradores de favelas está em comunidades com mais de 50 anos e recebem serviços públicos básicos porém de baixa qualidade. Mesmo assim, graças à sua resiliência e determinação, moradores conseguiram desenvolver inúmeros ativos dentro de suas comunidades que coexistem com seus desafios. A maior parte do investimento tem sido em casas particulares, onde os moradores exercem maior controle e se reconstroem repetidamente ao longo de gerações. Entre 65% a 100% dos moradores, dependendo da favela, possuem suas casas. Hoje, mais de 90% dessas casas são feitas de tijolos, concreto e aço.


Nem temporárias, nem precárias, as favelas do Rio podem, em vez disso, ser definidas por quatro condições: são bairros que se desenvolvem a partir de uma necessidade não atendida de moradia, sem nenhuma regulamentação externa significativa. Elas são estabelecidas por moradores, não por desenvolvedores externos ou especuladores, e elas evoluem de forma altamente influenciada por cultura, acesso a empregos, recursos e muitos outros fatores individuais.

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Casa cuidadosamente cuidada na favela Asa Branca, Zona Oeste.

Como resultado da falta de regulamentação externa, da construção individualizada, do conjunto específico de influências no desenvolvimento de cada assentamento e dada a longevidade das comunidades, as favelas do Rio exibem uma enorme variedade de condições que resultaram em um número equivalente de resultados, variando de altamente inovador a completamente disfuncional. As decisões sobre o futuro dessas comunidades são, portanto, melhor tomadas pelos próprios moradores, que são as únicas pessoas capazes de avaliar o valor verdadeiro (muitas vezes não econômico e, portanto, difícil de quantificar) de sua comunidade autoconstruída. O fato de as favelas serem construídas e desenvolvidas por seus próprios moradores significa que cada tijolo, cada azulejo, tem uma história embutida que, especialmente depois de várias gerações, é muitas vezes extremamente significativa e não pode ser ignorada, nem facilmente calculada.5

Em Um País Chamado Favela, os autores relatam que entre 2004 e 2014, quando o Brasil estava vivenciando um rápido crescimento econômico, o salário médio nas favelas cresceu mais do que o salário médio da sociedade como um todo. Os moradores de favela se consideravam mais felizes que a média nacional (94% vs. 93%). E 81% gostavam de favelas, 66% não sairiam de sua comunidade e 62% tinham orgulho de morar lá.

As favelas do Rio desenvolveram organicamente os seguintes atributos urbanísticos comumente associados a comunidades sustentáveis: moradia a preços acessíveis em áreas centrais; moradia perto do trabalho; bairros baixos, de alta densidade e altamente sociáveis; uso misto; foco em pedestres; alto uso de bicicletas e transporte público; arquitetura flexível baseada na necessidade; alto grau de ação coletiva; incubadores culturais; alta taxa de empreendedorismo; entre outros.

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Uma típica tarde em dia de semana na Asa Branca.

Nada disso significa negar os desafios reais enfrentados pelas favelas, mas simplesmente questionar a visão estreita de que os assentamentos informais são ruins e que, por conseqüência, devem ser removidos. Eu diria que a remoção de favelas consolidadas apenas agrava os fracassos políticos originais que tornam as favelas inevitáveis. Além disso, é importante notar que não há nada de inerente às favelas que produza atividades criminosas, mas que é uma combinação da criminalização e estigmatização da pobreza; negligência do poder público, inclusive com educação e infraestrutura; e falta de oportunidade econômica, que produz circunstâncias favoráveis ao crime organizado.

Como resultado desse panorama do bom e do ruim, e apesar do estigma frequentemente paralisante, da falta de investimento e de políticas de segurança contraproducentes, o morador médio da favela quer ver sua comunidade melhorar em vez de procurar uma moradia alternativa.

Direitos de Ocupação 1988–2010

Quando o Brasil se redemocratizou após a ditadura militar de 1964 e aprovou a “Constituição do Povo” em 1988, os movimentos por habitação exigiram com sucesso a inclusão de direitos como a usucapião especial urbana coletiva, abrindo um caminho legal para moradores de assentamentos informais terem titularidade de suas propriedades. Usucapião refere-se ao direito à moradia dado aos ocupantes de terras ou habitações se os proprietários não reivindicarem os referidos imóveis durante determinado período de tempo. Em algumas cidades dos Estados Unidos, como Nova York, esse período é de dez anos. O período de elegibilidade urbana de cinco anos do Brasil é breve para os padrões globais, e com razão, dada a necessidade urgente de legalizar as residências dos moradores das favelas que existiam na época da assinatura da Constituição de 1988.

Em 2001, o Brasil aprovou o Estatuto das Cidade, que incluía uma previsão de instituição de Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS), aplicáveis em diversos assentamentos informais, inclusive em favelas, com o objetivo de preservação de moradias de interesse social a preços acessíveis, com base na consciência existente na época entre arquitetos e engenheiros brasileiros que esse era o melhor curso de ação para favelas. No entanto, até um determinado ponto, a usucapião, como muitas políticas progressistas no Brasil, se enquadra na categoria de política ‘pra inglês ver’, uma tradição, existente desde a época do tráfico de escravos, de estabelecer leis e políticas principalmente para apaziguar os defensores da política, e não realmente destinadas à plena implementação.

Assim, muito raramente os moradores das favelas do Rio de Janeiro de fato receberam títulos. Nos casos em que eles ocupam terras privadas e podem provar ocupação ininterrupta, um processo de usucapião dura em média 15 a 20 anos. Mas a maioria das moradias nas favelas fica em terras públicas, onde as autoridades acharam conveniente ignorá-las. Legalmente, autoridades públicas no Brasil poderiam fornecer concessões de uso ou direitos de posse, ao invés de títulos, já que a terra pública era considerada intransferível, enquanto que os direitos dos posseiros eram constitucionalmente reconhecidos. No entanto, muito poucas concessões foram emitidas, um descumprimento às disposições da lei.6

Regularização Fundiária de 2010 a Hoje

A abordagem oficial com relação a assentamentos informais mudou durante os preparativos para a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. A partir de 2010, quando investimentos inundaram a cidade em antecipação dos eventos globais, a titulação se tornou uma questão importante. Anunciada principalmente para as favelas da Zona Sul–muitas vezes as comunidades mais consolidadas e certamente aquelas que despertam maior interesse do mercado imobiliário–foi uma questão de meses até alguns moradores dessas comunidades, que combateram com sucesso a remoção durante o regime militar na década de 1970, conectarem o súbito interesse em titulação por parte das autoridades públicas com essas lutas anteriores. Fazendo referência a “remoção branca” (termo inicial e endêmico das favelas para gentrificação) para caracterizar o fenômeno em desenvolvimento, lideranças comunitárias lamentaram a chegada de títulos simultaneamente a dos especuladores imobiliários durante o maior boom da história da cidade. E eles não viram isso como uma coincidência.

Em relação ao Vidigal, uma favela de 25.000 habitantes situada no que talvez seja o terreno mais valioso Brasil,7, a partir de 2013 a mídia estava repleta de notícias de gentrificação. Hotéis e bares chiques estavam abrindo, assim como pousadas e lojas de sushi. Em determinado momento, a associação de moradores estimou que cerca de 1.000 estrangeiros viviam na comunidade.

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Visitantes norte-americanos conferem a incrível vista da laje de uma casa no Vidigal.

Em uma reunião realizada em 2016 pela associação de moradores nas arborizadas e igualmente atraentes comunidades da Zona Sul, Chapéu-Mangueira e Babilônia (CMB), uma mulher muito frustrada se levantou, gritando: “Vou querer posse de quê?! Ninguém quer posse aqui não! Nós não queremos posse nenhuma! Porque nós não queremos ser expulsos do que nós lutamos para construir! Nós não queremos posse, obrigado! Pode carregar a posse lá para onde eles quiserem.”

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Moradora da Babilônia enfrentando um funcionário municipal e declarando: “Nós não queremos posse nenhuma!”

O presidente da associação, André Constantine, com ênfase, corroborou o sentimento: “Porque nós nascemos aqui, nós temos o direito de criar nossos filhos aqui e ver os nossos netos crescerem aqui… Então essa é a ideia [dos governantes]. É transformar as favelas em novas Santas Teresas, mas primeiro não vou mudar as característicos do local não [para benefício dos moradores]. Primeiro eu (autoridade) vou higienizar a pobreza, expulsar o nordestino. Eu (autoridade) vou expulsar aqueles que construíram para que essa nova roupagem venha e venha morar e residir aqui. É isso que precisamos entender.”

André e seus vizinhos sabiam, na pele, como a “regra dos 20%” se desenrola. Os assentamentos informais geralmente funcionam como o estoque habitacional acessível de uma cidade. Quando são individualmente titulados, especialmente se estiverem bem situados, essas casas assumem o valor completo da terra associado à sua localização. Como resultado, sua moradia deixa de ser economicamente acessível. Os 20% inferiores da pirâmide econômica são forçados a sair.8 Este é um duro golpe para as pessoas que construíram uma comunidade ao longo de gerações, que passaram a depender de seu tecido social, localização e rede de segurança, e que têm sido perpetuamente subvalorizadas e excluídas da cidade, apesar de as terem construído. Também prejudica os esforços para reduzir a desigualdade épica do Rio e manter as riquezas culturais da cidade.

Não surpreende que, até o primeiro semestre de 2018, os líderes da Babilônia tenham progredido pouco nas discussões com a cidade sobre títulos de terra. Eles, juntamente com o Vidigal e outras favelas, de certa forma se beneficiaram da recente recessão econômica, que interrompeu os aumentos dos aluguéis e a ameaça da remoção branca. Ao mesmo tempo, a violência policial e entre facções aumentou, levando moradores de longa data a sair. Assim, as pressões sobre a saúde comunitária de longa data das favelas vêm em diversas formas durante os altos e baixos, com a atual intervenção militar no Rio apresentando o mais recente desafio.

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Moradores aproveitam a laje para soltar pipas no Vidigal.

Os Termos Territoriais Coletivos Aplicados a Favelas Oferecem uma Oportunidade?

Ao longo da última década, explorei o potencial de implementar um modelo de Termo Territorial Coletivo (TTC), a designação do que seria um modelo de “Community Land Trust” adequado às especificidades brasileiras, nas favelas do Rio de Janeiro. Testemunhando os impactos do “boom” do mercado no início dos anos 2010 nas favelas da Zona Sul, onde relativamente poucos moradores se beneficiaram enquanto muitos enfrentaram dificuldades, nossa organização apoiou diversos grupos no Vidigal por meio de oficinas de conscientização sobre gentrificação e uma série de debates que estes grupos conduziram sobre especulação imobiliária na comunidade. O primeiro debate em 2014 estava repleto de moradores que compartilharam suas histórias e preocupações. Alguns foram forçados a sair pelo aumento de preço das contas ou picos nos preços de aluguel; em outros casos, os vendedores subestimaram o valor de suas casas ao vender e acabaram se mudando para imóveis em circunstâncias significativamente piores; e então havia os jovens adultos que, pela primeira vez em gerações, não podiam comprar uma casa na comunidade tradicional de suas famílias.

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Um dos quatro debates públicos ao ar livre sobre a gentrificação e os riscos que isso representa no Vidigal, realizado pela Associação de Moradores e uma coalizão de outros grupos do bairro em 2014.

Começamos a informar mobilizadores de favela sobre estratégias de gestão de terras, incluindo o Termo Territorial Coletivo. Nos Estados Unidos, entre numerosas abordagens para resolver a questão da moradia a preço acessível, o TTC foi encontrado como a ferramenta mais eficaz na garantia da permanência de moradores nas suas casas, em ambos os períodos de declínio econômico, e de crescimento especulativo.

A lógica básica da governança de um TTC não é tão diferente daquela das favelas hoje, embora formalizada. Hoje, os moradores possuem e vendem suas casas a preços acessíveis por meio de um mercado imobiliário paralelo ativo. Enquanto isso, eles não são donos da terra em que vivem, que, de certa forma, é de propriedade coletiva, uma vez que tende a ser propriedade pública. Por fim, as associações de moradores e outras instituições da vizinhança promovem e lutam por melhorias de infraestrutura na comunidade, chegando a manter registros de vendas de residências.

A principal diferença entre os dois é que as favelas são mantidas precárias através de uma governança tênue sobre elas pelas autoridades, enquanto os TTCs são sancionados para administrar terras, representar a comunidade e agir para melhorar seu território. Além disso, os TTCs têm um mandato reconhecido inequivocamente por moradores e governos.

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Casa mais simples em meio a zona de gentrificação do Vidigal.

Mas o modelo praticado tradicionalmente nos EUA e na Europa não correspondia exatamente à realidade das favelas. Os TTCs estão associados às suas variedades americanas e europeias, onde funcionam como empreiteiras—sem fins lucrativos e acessíveis, mas, mesmo assim, empreiteiras. As favelas, por outro lado, não exigem o desenvolvimento imobiliário, mas sim uma formalização das moradias e do estoque comunitário. Isso levanta a questão: as favelas podem ser readaptadas como TTCs?

A resposta é um contundente sim. A partir de 2001, os assentamentos informais de Canal San Martín, em San Juan, Porto Rico, combateram a gentrificação de suas comunidades 9 através da instituição de um modelo do TTC. Hoje, o Canal é um exemplo amplamente estudado da eficácia dos TTCs no fornecimento de propriedades formais e tituladas sem o risco de remoção ou gentrificação, construídos sobre os atributos sociais existentes na comunidade.10 [Leia o caso Canal Martín Peña aqui.]



Outros Exemplos de TTC

Além do Canal Martín Peña, as experiências de TTCs em todo o mundo podem oferecer lições. Já existem vários exemplos de sucesso como a Champlain Housing Trust (CHT) localizada em Champlain, no estado de Vermont, nos EUA; o CLT de Londres que construiu casas TTC no espaço abandonado do hospital St. Clements em Mile End no Leste de Londres; e o Termo Territorial Coletivo de Bondeni, no Quênia, entre outros.

Já a Dudley Street Neighborhood Initiative, em Boston, nos ensina que as contribuições dessas instituições vão muito além do gerenciamento da terra. Elas podem ser mecanismos econômicos coordenados pelas prioridades coletivas da comunidade. Isso poderia ser muito estimulante para as favelas que desenvolveram sua própria atividade comercial (ou gostariam de fazê-lo), mas tiveram que fazê-lo informalmente e agora podem, através do TTC, desenvolvê-lo formalmente, mas de uma maneira que reduz as despesas associadas à formalização via canais tradicionais.

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Banner do site da Dudley Street Neighborhood Initiative’s (DSNI)


 

Termo Territorial Coletivo e Favelas: DNA Similar

Assim, a partir do estudo de casos no Norte e no Sul global, pode-se resumir os componentes centrais do modelo TTC (como se aplica em contextos formais e informais) como:

  • Adesão espontânea. Os participantes do TTC devem optar por fazer parte do TTC, aceitando a meta do TTC de manter a comunidade permanentemente acessível.

  • Propriedade coletiva da terra. O TTC é proprietário do terreno em que opera e é composto por membros da comunidade residente.

  • Casas de propriedade individual. Os moradores têm propriedade da casa em que moram, podem investir nela e vendê-la. O valor da casa se mantém mais acessível do que em outros lugares pela não-inclusão do valor da terra no preço de venda (já que a terra pertence ao TTC). Em alguns casos, a casa deve ser vendida ou oferecida primeiro ao TTC, que a revende para aqueles que atendam aos critérios de elegibilidade (baixa renda); ou o preço permitido para revenda é contemplado no estatuto durante a criação do TTC.

  • Controle comunitário. A Diretoria do TTC é eleita apenas pelos moradores do TTC e tem o poder de conduzir um amplo desenvolvimento comunitário, além de administrar a terra. Normalmente, a Diretoria é composta por uma estrutura tripartite que garante a natureza permanente de sua missão. Ela é frequentemente composta por ⅓ pessoas donas de suas casas nas terras do TTC, ⅓ assessores técnicos, e ⅓ pessoas que residem no bairro.

  • Acessível para a perpetuidade. O objetivo primordial do TTC é garantir moradias permanentemente acessíveis.


Favelas já são, em essência, TTCs informais. Nas favelas do Rio:

  • Os moradores optam por residir lá geralmente forçados inicialmente pelas circunstâncias, mas eventualmente porque desenvolvem um senso de pertencimento e investem em suas moradias e comunidade.

  • A terra é de propriedade pública e, conforme a Constituição Federal, deve servir uma “função social”.

  • A maioria dos moradores vivem em casa própria (sempre taxa menor de 35% que são inquilinos), com mercados imobiliários informais paralelos muito robustos, com algumas favelas tendo até agências.

  • Toda comunidade tem uma associação de moradores, que deveria ser eleita pelos moradores e é legalmente responsável por representar a comunidade em reuniões com autoridades públicas, muitas vezes também realizando melhorias locais. Embora sua eficácia varie drasticamente entre as favelas, associações também são os principais órgãos responsáveis ​​por documentar as vendas de imóveis e disputas de terra.

  • A acessibilidade econômica foi mantida historicamente, em virtude da propriedade pública da terra, e infelizmente também pela negligência histórica das favelas e da marginalização e criminalização de seus moradores.


A Regularização das Favelas do Rio Através do TTC

regularização das favelas do Rio por meio de uma estrutura de TTC resolveria seus principais desafios de desenvolvimento: segurança fundiária (tanto de remoções pelo poder público quanto de forças especulativas do mercado), formalização de instituições, esforços de melhoria e reconhecimento público e legal.

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Os estilos de mercado, planejamento, e habitações em bairros formais típicos do Rio poderiam ser vistos como representativos de um modo de vida muito diferente daqueles das comunidades informais—mas não necessariamente “melhor”.

Nos EUA e na Europa, os TTCs são legalmente reconhecidos e estabelecidos como agências sem fins lucrativos que empreendem o desenvolvimento habitacional a partir do zero. TTCs de favela, por outro lado, partem de moradias e comunidades já em vigor. Seus maiores desafios são com o estabelecimento das estruturas legais e institucionais necessárias para gerenciar o TTC.

Enquanto os TTCs dos EUA e da Europa exigem adesão de novos moradores à medida que entram na lista de espera para entrar no TTC, os TTCs no contexto de favelas brasileiras precisariam informar os moradores sobre suas opções (por exemplo, TTC e títulos de propriedade da construção vs. títulos individuais plenos, com propriedade da terra) e permitir que as famílias optem por participar ou não. Felizmente, o Caño em Porto Rico oferece um modelo de sucesso: 2000 de aproximadamente 6500 famílias participam do TTC nas oito comunidades participantes. Se no Rio de Janeiro um piloto produzisse apenas um subconjunto de famílias comprometidas com o TTC, pode-se supor que uma mistura de TTC e domicílios com títulos plenos reduziria a especulação, uma vez que grandes construtoras não teriam interesse em terrenos menores cercados por moradias acessíveis.

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Membros do TTC Canal Martín Peña. Foto: World Habitat

Se passasse uma lei específica em âmbito municipal ou estadual sobre TTC, poderia inclusive oferecer a concessão de isenções fiscais e tarifas sociais de serviços públicos para as famílias que optarem pelo TTC (o que é apropriado, já que teriam renunciado ao direito de especular para garantir moradia permanentemente acessível, ou seja, um bem público), e poderiam se beneficiar de outras garantias de acessibilidade econômica, tais como serviços básicos (luz, água) subsidiados (que, similar a moradia, atendem necessidades básicas), com base nessa mesma justificativa. A garantia de um estoque residencial permanentemente acessível via TTCs seria uma benção para o setor público, que estaria cumprindo sua obrigação de garantir moradia sem gastos maciços em habitação pública, aluguel social e assim por diante. As cidades poderiam considerar a redução dos impostos sobre propriedades para os TTCs como um outro lado da mesma moeda que os leva a cobrar impostos mais altos de terrenos baldios—em vez de levar a uma maior desigualdade e ineficiência, como faz um terreno baldio, um mercado imobiliário permanentemente acessível e com administração comunitária levaria a uma maior igualdade e eficiência para a cidade como um todo.

Uma família poderia, assim, optar por participar num TTC + título a sua casa, em vez de receber um título de propriedade da terra, por três razões principais:

  1. Permanência. A principal preocupação de segurança fundiária dos moradores é poder ficar em sua casa e manter sua comunidade, em vez de poder vender a casa a preço de mercado.

  2. Acessibilidade. Eles exigem subsídios porque não podem arcar com o imposto pleno sobre a propriedade, contas de luz, gás, água e outros custos de vida, a preço de mercado, associados à “cidade formal”, como os tipos de negócios prováveis de operarem em um cenário especulativo.

  3. Gestão comunitária. Eles preferem que a comunidade administre seu próprio desenvolvimento em vez de depender de agências governamentais (comumente ausentes ou ineficazes).

Adotar TTCs poderia, então, ser profundamente transformador. As favelas não apenas garantiriam sua segurança fundiária tanto em períodos de crescimento quanto de declínio econômico, de gentrificação e de remoções, mas também poderiam se basear nos legados de resiliência e resistência das favelas, e nas características únicas de cada bairro e de seus moradores, e utilizar seu status formal para fazer lobby por reconhecimento cultural, serviços públicos subsidiados e outras amenidades e melhorias nos ativos materiais.

O Que Esperar Para o Rio?

Estamos agora em uma encruzilhada no Brasil. Temos um governo federal que está promovendo ativamente a titulação integral em massa (terras e estruturas) sob a nova lei de regularização, n. 13.465/17. No entanto, as comunidades estão cada vez mais preocupadas com as pressões especulativas que serão produzidas através de títulos plenos, e evitar este processo passa por exigir que esta lei coexista com a norma já estabelecida das Zonas de Interesse Social Especial, especialmente em favelas, que devem ser atualizadas e preservadas como bairros acessíveis.

Neste contexto, os TTCs representam um meio termo onde coexiste o que há de melhor nessas duas leis. A lei nacional de regularização poderia ser complementada por uma lei que regule o TTC e o torne uma opção mais fácil. Tal lei poderia estabelecer a estrutura para cada membro da comunidade escolher entre duas opções: (a) a titulação integral individual atualmente estabelecida por lei, que será vista favoravelmente por permitir a venda a preço de mercado, mas que também virá com requisitos de pagar integralmente o IPTU e as contas de luz, gás e água, além de promover uma mudança cultural significativa na gestão coletiva das favelas; ou (b) optar por uma estrutura de Termo Territorial Coletivo de favela, onde os moradores que optem por este termo receberão títulos de suas construções enquanto formam uma instituição local reconhecida pelo estado e gerenciada pela comunidade para administrar a terra e a comunidade em geral, incluindo uma mais eficiente cobrança de investimentos públicos.

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No dia 25 de março de 2014, moradores do Santa Marta foram às ruas para protestar contra as contas de luz abusivas, causados pelo processo de regularização do serviço, com a entrada da UPP.

Os moradores que optarem pelo primeiro cenário dependerão do setor público para todas as melhorias, decisões de zoneamento e para a manutenção de seus espaços públicos, como é típico da cidade formal em geral, porém possivelmente com uma estigmatização contínua por terem suas origens na informalidade. Os moradores que optarem pelo segundo cenário, porém, contarão com maior poder de “barganha” junto ao governo, pois aumentará sua capacidade de pressão e organização, bem como terão maiores possibilidades de obterem financiamento privado e poderão apresentar projetos próprios ao poder público. Poderão controlar melhor a forma através da qual recursos públicos serão gastos com eles e se envolverem de forma mais consequente na realização de melhorias na comunidade.

Esta segunda opção poderia ser considerada dentro de uma lei com especial intuito de fomentar TTCs para garantir permanência, acessibilidade e gestão coletiva. O resultado de tal lei seria a garantia de uma grande rede de moradias permanentemente acessíveis em todo o país, oferecendo um mercado através do qual cidadãos de baixa renda poderiam se mover à medida que oportunidades de emprego e afins mudassem de local.

Mesmo com a ausência de uma lei sobre TTC, grupos dentro das comunidades ainda podem atuar para estabelecer uma estrutura de preços acessíveis. Conforme a lei federal 13.465/17 entra em vigor, um grupo dentro de uma comunidade pode se juntar para formar um TTC com seus títulos recentemente concedidos. Mesmo que apenas um quarto da comunidade forme um TTC, o fato de terem feito isso limitará o potencial especulativo dos imóveis de sua comunidade permanentemente, porque não haverá grandes extensões de terra disponíveis para especulação. E eles podem usar seu status coletivo para fazer lobby por melhorias e contas subsidiadas, bem como pelo reconhecimento do modelo TTC como uma opção para outras comunidades.

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Santa Marta. Foto por Antoine Horenbeek

Ambos os cenários estão sendo investigados e desenvolvidos por uma coalizão de parceiros, incluindo nossa organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras, com sede no Rio; o TTC Caño Martín Peña; o Laboratório de Estudos das Transformações do Direito Urbanístico Brasileiro (LEDUB) do Rio de Janeiro; e o Centro de Inovação em TTC (Center for CLT Innovation) da Global Land Alliance, com apoio do Lincoln Institute of Land Policy. O grupo está desenvolvendo uma série de ferramentas e materiais para que lideranças comunitárias avaliem o valor de um modelo de TTC para suas comunidades, enquanto simultaneamente desenvolve um entendimento jurídico sobre como isso seria possível dentro da atual legislação e como poderia vir a ser uma legislação que promovesse os TTCs. Tudo isso será discutido na próxima semana (23-27 de agosto) em oficinas com lideranças de favelas, ativistas de direito à moradia, advogados parceiros, pesquisadores e técnicos que assessoram favelas. As oficinas estão sendo realizadas em parceria com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Pastoral de Favelas do Rio de Janeiro, e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-Rio). A esperança é de que comunidades interessadas em mobilizarem suas comunidades para estabelecer um TTC receberão apoio técnico contínuo dessa ampla rede.

Fica claro que, em última análise, um cenário TTC bem-sucedido dependerá de investimentos pesados ​​em esforços de organização comunitária existentes, para informar moradores sobre os riscos e oportunidades que eles enfrentam sob diversos esquemas de titulação, estabelecer o TTC como solução de escolha, e apoiar o que inevitavelmente será um esforço permanente e de longo prazo para desenvolver e administrar o TTC. O TTC, entre outras tarefas, precisará documentar minuciosamente os ativos da comunidade para garantir que sua abordagem se baseie nesses ativos ao invés de prejudicá-los. Como sempre foi o caso, o futuro das favelas do Rio continua nas mãos de seus próprios moradores.

Notas

[1] Isso pode ser calculado analisando dados de qualquer cidade e vendo qual porcentagem da população vive em qualquer uma das seguintes alternativas: habitação pública, aluguel social, aluguel controlado, aluguel estababilizado, habitação cooperativa, assentamentos informais, e outras soluções públicas ou sem fins lucrativos para acessibilidade econômica que surgem em diversos contextos.

[2] Vale lembrar que a moradia é de fato uma necessidade básica. Sobre a icônica “hierarquia de necessidades” do psicólogo Abraham Maslow, a moradia se apresenta de antemão junto com outras necessidades fisiológicas básicas: ar, comida, bebida, calor, sexo, sono. A propriedade pode ser encontrada entre os elementos do segundo degrau de necessidades humanas: as necessidades de segurança.

[3] A partir de nossas observações, é útil notar que as favelas que tiveram mais sucesso em seu desenvolvimento tendem a ser aquelas que implementam tanto táticas de curto prazo (por exemplo, correções criativas de curto prazo) e permanentes (por exemplo, investimentos estruturais) insurgentes (não aguardando permissão), em vez de aguardar as autoridades.

[4] O Rio era o maior porto de escravos da história do mundo e os escravos constituíam entre 20 e 50% da população da cidade em diferentes momentos durante o século XIX, antes do Brasil abolir a escravidão em 1888, a última nação do hemisfério ocidental a fazê-lo.

[5] A literatura sobre perdas e danos não-econômicos (NELD) é útil para começar a compreender isso.

[6] Títulos não são uma panacéia, no entanto. Um raro exemplo de concessões emitidas para as favelas do Rio foi o caso da Vila Autódromo, uma comunidade que lutou contra a remoção na década de 1990 e ganhou dois títulos do governo estadual. Apesar disso, a comunidade não foi poupada quando, em 2009, o prefeito do Rio durante a preparação para as Olimpíadas, Eduardo Paes, voltou suas atenções para a comunidade, que ficava ao lado do principal Parque Olímpico da Rio 2016. Embora as concessões fortalecessem a determinação da comunidade, eles acabaram não protegendo a Vila Autódromo da remoção, pois indivíduos da comunidade negociaram e instituiram um processo através do qual a Prefeitura conseguiu remover 97% dos moradores.

[7] Uma pergunta frequente feita por turistas quando avistam favelas nas encostas dos morros da Zona Sul é como isso é possível, como é que as vistas mais belas em uma das cidades mais belas do mundo podem pertencer aos pobres. A resposta é simples: em 1862 o Imperador Dom Pedro II ordenou o reflorestamento dos morros da cidade como uma medida de proteção ambiental. A plantação de café e de outros produtos agrícolas deixou a cidade vulnerável à insegurança hídrica, então o imperador confiscou as terras, ordenou o reflorestamento (feito por escravos que, curiosamente, coletaram plantas da região atualmente ocupada pelo Quilombo Camorim) e designou a proteção das encostas. Essas terras públicas não-monitoradas tornaram-se então alvos fáceis para ocupação quando o Rio se urbanizou meio século depois e migrantes não encontraram outras opções para moradia a preços acessíveis.

[8] No contexto carioca, isso significaria que novas favelas, ocupações de prédios abandonados ou, em alguns casos, mudança para habitações públicas (normalmente distantes e inacessíveis) seriam a alternativa para pessoas que recebem títulos integrais, resultando em especulação imobiliária desenfreada. E todos esses são resultados piores do que a maioria dos ambientes consolidados das favelas de hoje.

[9] Um caso anterior no Quênia, o Termo Territorial Coletivo de Bondeni, estabelecido na década de 1980, também pode oferecer alguma orientação, embora tenha sido baseado em cidades menores e as informações sobre esse caso sejam mais limitadas.

[10] Grande parte do modelo de San Juan pode servir de inspiração para futuros TTCs no Brasil, incluindo as histórias de por que as pessoas escolheram o TTC ao invés de títulos individuais; como organizaram a comunidade para decidir por si qual o melhor modelo; e como eles desenvolveram legislação e agora estão desenvolvendo a comunidade de forma acessível. Outra grande lição de San Juan é que uma vez que os lares são parte de um TTC, eles continuam desenvolvendo os ativos coletivos da comunidade (em vez de perdê-los devido ao crescimento do pensamento individualizado associado a títulos individuais plenos), tanto internamente como externamente. Quando o furacão Maria atingiu Porto Rico, o Caño estava conectado globalmente e, dentro de meses, apoiadores incluindo outros TTCs em todo o mundo haviam levantado centenas de milhares de dólares para apoiar sua reconstrução, mostrando que o desenvolvimento coletivo permite que as comunidades acessem mais recursos em tempos inevitáveis ​​de necessidade.

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