Intercâmbio Imersivo: Brasil - Porto Rico (Agosto 2024)

Delegação do Projeto TTC e Lideranças Comunitárias do Rio de Janeiro fazem intercâmbio imersivo para conhecer o TTC de Porto Rico. Confira um relato da atividade!

Entre os dias 19-24 de agosto de 2024, foi realizado um intercâmbio entre o Projeto TTC no Brasil e o Fideicomiso de la Tierra Caño Martín Peña em Porto Rico. A delegação brasileira formada por três integrantes da equipe TTC e duas lideranças comunitárias do Rio de Janeiro viajou para o país para conhecer o primeiro TTC implementado em favelas na América Latina.

O objetivo da viagem foi promover uma troca de conhecimentos entre as duas iniciativas, capacitando lideranças e aliados técnicos para melhor desenvolver o modelo em seus contextos. O cronograma de atividades montado pelos parceiros de Porto Rico contou com visitas guiadas, reuniões, oficinas e atividades culturais, de maneira a proporcionar uma imersão na experiência de lá. O Fideicomiso de la Tierra Caño Martín Peña é um exemplo emblemático de desenvolvimento comunitário com protagonismo dos moradores, em que a comunidade adotou um Termo Territorial Coletivo para garantir o direito à permanência e melhorias territoriais, servindo de inspiração para a criação do Projeto TTC no Rio de Janeiro.

A história do TTC de Porto Rico remonta aos anos 2000, quando o governo central apresentou uma proposta de dragagem de um canal que cruza o centro da capital do país, San Juan. Nos arredores do canal, oito comunidades urbanas abrigam cerca de 8 mil famílias, que sofriam corriqueiramente com inundações e outros problemas ambientais. Preocupados com o risco de aumentar o interesse da especulação imobiliária na região, os moradores passaram a reivindicar seus direitos e participar ativamente do projeto de intervenção pública, que acabou se transformando em um plano de desenvolvimento integral. No curso desse processo, os moradores decidiram criar um Termo Territorial Coletivo para assegurar o controle comunitário da terra e a permanência das famílias. Após muita luta, o TTC foi instaurado por meio de uma lei e recebeu a propriedade de parte dos terrenos onde estão as oito comunidades. No intercâmbio imersivo, pudemos conhecer essa história da boca dos próprios moradores e técnicos envolvidos, bem como ver o canal Martín Peña e as casas nas suas margens. 

Foto: delegação brasileira e moradores de Porto Rico nas margens do canal Martín Peña

A experiência do Fideicomiso de la Tierra Caño Martín Peña em Porto Rico foi um exemplo de planejamento urbano com alta participação popular. Desde o início do processo, os moradores reivindicaram ter uma voz nas decisões que afetariam suas comunidades, demanda que foi respeitada pelos técnicos envolvidos. Eles decidiram criar uma organização comunitária denominada G-8, com lideranças das 8 comunidades do Caño, para representar os interesses locais diante do Poder Público, e também exigiram uma participação direta no conselho gestor do TTC. Para executar o plano de desenvolvimento, foi criada uma empresa pública chamada Corporação ENLACE, com integrantes de diferentes áreas do conhecimento. Um dos destaques vistos na viagem foi a importância dos assistentes sociais, no sentido de garantir que a participação popular seja observada ao longo da atuação do órgão público. 

Foto: equipe brasileira e integrantes do Fideicomiso na sede da Corporação ENLACE

Dessa forma, na experiência de Porto Rico temos a atuação conjunta de três entidades: a Corporação ENLACE (empresa pública), o G-8 (organização de líderes comunitários) e o Fideicomiso de la Tierra (o TTC). Cada uma tem responsabilidades e uma forma de atuação diferente, mas todas trabalham em colaboração para atender às comunidades do Caño Martín Peña. 

A atuação do TTC e das outras organizações locais vai muito além do acesso e preservação do direito à moradia. No intercâmbio, conhecemos diversas iniciativas desenvolvidas a nível local, em resposta às demandas dos moradores. Entre as ações desenvolvidas ou apoiadas pelo TTC ao longo dos anos, temos hortas comunitárias, feiras de produtores locais, projetos culturais, alfabetização de adultos, projetos esportivos, educação ambiental, pontos de apoio em caso de desastres naturais, turismo comunitário e mesmo uma iniciativa de reciclagem dentro da comunidade. Vimos um foco muito grande na geração de renda também, no sentido de fomentar e assessorar iniciativas econômicas de moradores. 

Foto: iniciativa de reciclagem liderada por uma moradora e apoiada pelo TTC

Além de mergulhar no caso do TTC do Caño Martín Peña, vimos que essa experiência inspirou a criação de outros TTCs em Porto Rico. Hoje, a ilha conta com 4 TTCs em funcionamento e um em processo de criação. Existem TTCs urbanos na cidade de San Juan mas também uma iniciativa de um TTC focado na produção agrícola no campo, o que demonstra a flexibilidade do modelo. Conhecemos de perto um TTC criado recentemente no distrito de Rio Piedras, que foi formado para resistir a um processo de abandono e esvaziamento do bairro. A missão do TTC de Rio Piedras é recuperar áreas abandonadas e desenvolver projetos habitacionais e culturais, garantindo o acesso à moradia acessível e outros serviços para os moradores. Dessa forma, vimos que o TTC é um modelo de expansão em Porto Rico, em parte impulsionada pelo sucesso da experiência do Caño Martín Peña. 

Foto: reunião em cinema de rua que pertence ao TTC de Rio Piedras

A metodologia preparada pelos parceiros de Porto Rico proporcionou uma multiplicidade de atividades para promover uma visão holística e dinâmica sobre a experiência. Cada dia foi pensado para desenvolver uma dimensão do projeto, bem como estimular trocas qualificadas. Ao longo dos 4 dias, absorvemos muitas lições para auxiliar na nossa atuação em prol do direito à moradia no Rio de Janeiro. No final, tivemos uma atividade de reflexão na Universidade de Porto Rico, em que vimos a importância da extensão universitária para apoiar e assessorar iniciativas comunitárias como o TTC.

Ao longo de 4 dias de intercâmbio, absorvemos muitos aprendizados com a experiência de Porto Rico. Buscamos sistematizá-los a fim de entender de que forma eles podem auxiliar o trabalho sendo realizado no Brasil:

  1. Importância da união e mobilização comunitária: a experiência de Porto Rico mostrou que o elemento mais importante é o senso de união e mobilização dos moradores em torno de um objetivo comum. Não importa o quanto de recurso está a disposição; sem isso, o processo não vai avançar da maneira correta;

  2. Papel dos assistentes sociais: vimos como o trabalho de especialistas em conduta humana é fundamental. Os assistentes sociais atuam como intermediadores entre o Estado e as comunidades, garantindo que as decisões respeitem o protagonismo dos moradores;

  3. Manutenção do processo sempre em avanço, com vitórias pontuais - não desistir: o intercâmbio nos mostrou a importância de obter pequenas vitórias ao longo do processo, e não apenas mirar no objetivo a longo prazo que é a constituição do TTC. Essas pequenas conquistas ajudam a seguir avançando;

  4. Alinhamento dos moradores em torno do TTC e absorção do essencial: os moradores das comunidades do Caño estão muito alinhados e conscientes da importância do TTC para as comunidades, essa apropriação do instrumento pelas famílias é notável;

  5. Processos de autoavaliação constantes: o trabalho realizado em Porto Rico segue uma metodologia de ação-reflexão-ação. Ou seja, sempre após uma ação concreta, há um período de avaliação, que é fundamental para coletar aprendizados e melhorar no futuro;

  6. Protagonismo dos moradores como principal: o verdadeiro impacto da experiência do Caño Martín Peña vem do fato de que os moradores foram protagonistas. Os planos de desenvolvimento foram construídos coletivamente e respeitaram os desejos dos moradores e não dos técnicos e governantes; 

  7. Busca por aliados em diferentes esferas: o TTC de Porto Rico nos mostrou como é importante criar e manter parcerias com diferentes atores, como organizações locais, universidade, órgãos públicos, cartórios e outras instituições confiáveis;

  8. Flexibilidade do TTC como modelo maleável: presenciamos como o TTC é um modelo flexível, capaz de se adaptar em diferentes contextos, desde capitais europeias a favelas na América Latina.

Foto: reunião na faculdade de direito da Universidade de Porto Rico

O intercâmbio de experiências entre Brasil e Porto Rico foi um dos marcos do Projeto TTC do ano de 2024! A partir da imersão e troca de saberes, pudemos coletar aprendizados importantes para nossa luta pela criação de um Termo Territorial Coletivo brasileiro!

Confira o álbum de fotos do intercâmbio abaixo